terça-feira, 23 de abril de 2024

Encantamentos no chão da Aldeia

Nós não damos a devida atenção às "coisas" de nosso mundo. Seguimos um caminho de passos solitários, pegadas que não comungam entre si, pegadas que exorcizam pela indiferença os mistérios que compõem a nossa sociedade, retirando dela todo o encantamento de sua formação. George Simmel já nos dizia "O segredo oferece, por assim dizer, a possibilidade que surja um segundo mundo junto ao mundo patente [...]. Nos últimos tempos venho tendo conversações com os restos da humanidade, com a sociedade do descarte, que faz do chão não somente a sua casa, mas o seu palimpsesto existencial, a folha em branco das suas biografias. Não diria que virei um arqueólogo pois não me contento em escovar ossos , não saberia juntar todos os pedaços dos cadáveres da civilização; tão pouco quero escovar palavras, pois não saberia como fazer delas um perfeito túmulo para repousar significâncias e significados. Eu quero escutar a voz silenciosa dos restos, quero tomar café com os rastros, escutar as suas lamurias, imaginar como tudo teria sido diferente antes dos seus traumas (corte) de abandono nas ruas da cidade. "De que pés teriam pertencidas aquele único par de chinelas deixadas na avenida?". "Quem haveria de ter morado naquela casa da esquina?" As fissuras das lacunas do mundo nas/das/em miudezas nos cortam mais do que vidros ao chão, pois podem infinitamente fazer regurgitar de nós um sangue invisível sem que os nossos corpos se desistegrem por completo. Aprendi a escutar as coisas, interroga-las, mas sem esperar delas repostas alguma. Não me amontoo com elas, caminho junto a traças, vidros, chinelos, papeis e ossos. Na vida quanto mais se cala mais se escuta. É construindo um silêncio de observador que os garimpos ocultos da memória começam a iluminar as terras sombreadas dos lugares por onde passamos e a nos oferecem a sua verdade, uma nova narrativa para entender a cartografia do abandono, da desigualdade e da indiferença. Um simples obelisco, tomado por lodo, pode não só conter as rachaduras de uma sociedade trincada, mas também, fazer de seus cortes uma esperança de dias que desvelem ou possam desvelar cicatrizes.
Fonte Imagens: Acervo fotográfico Lucas Pinheiro Texto Escrito por: Lucas Pinheiro Tenório Farias, graduando em Ciências Sociais (UFC) e bolsista FUNCAP do Programa de Pós Graduação em Letras (UFC)

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