terça-feira, 12 de abril de 2011







Bruno Duarte

            Começo a escrever esse texto com uma interrogação que me inquietou ao ler o texto de Certeau. Será possível trazer para o campo objetivo, idéias que nos dão a sensação de estarem pairando sobre nossas cabeças?  Escrever seria algo perigoso? Ou como já dizia Clarice Lispector, o mundo não está à tona, pelo contrário, está oculto em suas raízes submersas em profundidade do mar?
            Certeau nos fala sobre a cidade. Uma cidade de concreto, de aço e vidro que se reinventa de hora em hora... Essa cidade a meu ver está logo ali, à minha frente, visível, palpável como um objeto a ser contemplado e passível de toque. Do outro lado está uma cidade invisível, subjacente a anterior, construída pelas significações que os caminhantes dão a ela. Os caminhantes, como diz o autor, são os praticantes ordinários da cidade que escrevem um “texto” urbano e, sequer se dão conta que o fazem, e muito menos se dão o trabalho de lê-lo. Suas práticas entrecruzam-se, formando histórias múltiplas, trajetórias que terminam por não ter um autor, mais vários. Certeau nos dá a ideia de uma realidade, ou melhor, de uma realidade metafórica, digamos “uma realidade inventada”. Pergunto-me, inventada por quem? Pelos múltiplos atores que a tecem, criando um novelo complexo e ao mesmo tempo indivisível.
            Questiono-me como apreender essa realidade que se torna tão escorregadia em nossas mãos? Como, citando Clarice mais uma vez, “Reproduzir o irreproduzível”? Ou como já tentavam os pintores impressionistas, como captar a luz, as cores, os movimentos, uma vez que estes são tão voláteis e alteram-se facilmente?
 Na literatura Clariceana, percebo a autora tentando exprimir através de sua escrita, experiências e sentimentos. Em sua crônica Saudades, Clarice trás à tona em forma de escrita o que ela concebe como tal, ou como ela mesma dizia, nem tudo o que ela escreve resulta numa realização, resulta mais numa tentativa.
 Os pintores impressionistas deixando de lado a forma de pintar realista e naturalista que os antecederam, forma esta que se interessava em fazer um retrato fiel da realidade, ousaram, tentavam agora, ver o quadro como obra em si mesma. A captação da luz e do movimento feita pelas pinceladas soltas do pincel, tornaram-se o principal elemento da pintura. Outro detalhe interessante, é que as telas eram geralmente pintadas ao ar livre para que o pintor pudesse capturar melhor as variações de cores da natureza.
 Ao “trocar figurinha” com uma amiga, ela me disse que podemos encontrar vestígios dessa realidade social, que a meu ver, se apresenta de forma não mais cristalizada, fixa, mas sim, numa dinâmica processual na medida em que os atores a inventam e a reinventam.
            Penso que como os pintores, tentemos captar, mas captar o quê? A realidade? Acredito que não. Até mesmo os filósofos dizem que esta, de forma pura e absoluta, é inalcançável. Antes, ousemos atrair pra si, esse processo de construção do conhecimento, rastros, fios de narrativas, experiências sociais, pegadas deixadas pelos caminhantes, percebendo com atenção os constructos dos atores sobre a sua “realidade inventada”.

            Bruno é graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará - UFC e integra o Grupo de Estudos: Cidades, Experiências, Trajetórias e Narrativas, vinculado ao Depto. de Ciências Sociais da UFC.

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