sábado, 14 de janeiro de 2012

O Menino Que Carregava Água Na Peneira - Manoel de Barros


Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
      Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.

Um comentário:

  1. O conto-poesia “O menino que carregava água na peneira” está no livro “Exercício de ser criança”, do escritor Manoel de Barros, lançado em 1999...
    Quem me apresentou este texto foi Rafael Estrada... e desde então o conto de Manoel tem sido uma maneira para refletirmos sobre o nosso ofício como pesquisadores, professores, estudantes... e em como podemos ser felizes no que fazemos, "sermos amados por nossos despropósitos"... por nossas ousadias, afinal, já disse Michel Maffesoli em O Conhecimento Comum: "Tudo é método...tudo encaminha..."....

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