Quem brinca no território do brincar?
O corpo não traslada, mas muito sabe, advinha se não entende. (GUIMARÃES ROSA, Grande Sertão: veredas, 2006, p. 29)
BRUNO DUARTE NASCIMENTO
GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS- UFCE.
GRUPO RASTROS URBANOS.
O corpo brinca no território do brincar. Pelo o menos foi esta minha impressão após assistir ao documentário Território do brincar: um encontro com a criança brasileira (2015). O longa-metragem abre com uma belíssima cena: eis uma menina que se joga numa duna. O corpo rola na areia. Um sorriso no rosto da menina. Momento feliz, transbordante: o corpo vaza alegria, iluminando-se com o sol, polindo-se com os grãos de terra. Radiante. Naquele momento, a jovem não estava preocupada com o sujar da roupa, com o comportar-se “de acordo com os bons modos, bons modos de menina”, ou com a possibilidade de machucar-se. Não. Era o “instante já” (lembrando Água Viva (1998) de Clarice Lispector), tempo seu, vivido até a última gota, tempo que é, mas que rapidamente se foi. Experimentação do brincar, ou o brincar é uma experiência? O brincar não está pronto, posto, acabado. Brincar é “vereda”, “travessia” (lembrando Grande sertão: veredas (2006) de Guimarães Rosa), metáforas viva da vida que se vive e está a se (re)fazer, a se (re)construir a cada instante. É uma realiz(ação) constante. É um jogar-se na correnteza pulsante da vida. “viver não é muito perigoso?” (GUIMARÃES ROSA, 2006). De acordo com Dawsey (2005), a palavra “experiência” tem origem indo-europeia (especificamente o radical “per”), cujo significado denota: “tentar, aventurar-se, correr riscos. Experiência e perigo vêm da mesma raiz”. (DAWSEY, 2005, p. 163). Com isso em vista, acredito que é possível pensar na experiência do brincar como uma aventura, uma experimentação da vida, ou melhor, um modo de conhecimento da realidade através do corpo que brinca, isto é, como a experiência do brincar aciona todos os sentidos da percepção humana. É um conhecer através do corpo. É o corpo que brinca, conhece. Afinal, o que é brincar? Há uma forma única de brincar? Brincar não é muito perigoso? Pelo o menos do ponto de vista das crianças do documentário, não. Ali, vi pés que correm na areia, nos asfalto, no mangue, no barro. Vi mãos que mexem e remexem na terra. São texturas, tamanhos, pesos e alturas sentidos. Vi olhos e ouvidos que aprendem a se colocar atentos diante da paisagem local; paladares que se arriscam na caça, feitura e experimentação da merenda. Sons, cores, horizontes e gostos sentidos, ou nos sentidos. É como o corpo experimenta o brincar. É o corpo na brincadeira. Ao ter quaisquer objetos e lugares nas mãos, as crianças abrem novas possibilidades de construção do brincar. Pedaços de madeira transformam-se em teto de casa para a brincadeira; tornam-se uma grelha para assar o peixe que há pouco foi tirado do rio; o recorte de pedaços de chinelos velhos viram rodas de carrinhos; O menino faz uma roldana automática utilizando o corrimão da escada de sua casa; a menina toma o barro e com uma fôrma dá forma a um bolo. Meus olhos viram alegria, espontaneidade, criatividade nos olhos das crianças. Reflexos. Lembrei-me de ser criança, ou de que preciso (re)aprender a ser criança, ou que tenho muito a aprender com as crianças, enfim, como já dizia Manoel de Barros: “quando eu crescer vou virar criança” também.
Referências:
DAWSEY, John C. Victor Turner e antropologia da experiência. Disponível em:
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