segunda-feira, 16 de novembro de 2015



Quem brinca no território do brincar?

O corpo não traslada, mas muito sabe, advinha se não entende.                         (GUIMARÃES ROSA, Grande Sertão: veredas, 2006, p. 29)

BRUNO DUARTE NASCIMENTO
GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS- UFCE.
GRUPO RASTROS URBANOS.



revistacrescer.globo.com Território do Brincar (Foto: Reprodução)

O corpo brinca no território do brincar. Pelo o menos foi esta minha impressão após assistir ao  documentário Território  do  brincar:  um  encontro  com  a  criança  brasileira (2015). O longa-metragem abre com uma belíssima cena: eis uma menina que se joga numa duna. O corpo rola na areia.  Um sorriso no rosto da menina. Momento feliz, transbordante: o corpo vaza alegria, iluminando-se com  o  sol,  polindo-­se  com  os  grãos  de  terra. Radiante. Naquele  momento,  a  jovem  não  estava preocupada com o sujar da roupa, com o comportar-­se “de acordo com os bons modos,  bons  modos  de  menina”, ou com a possibilidade de machucar-­se. Não. Era o “instante­ já”  (lembrando Água Viva (1998) de Clarice Lispector), tempo seu, vivido até a última gota, tempo  que é, mas que rapidamente se foi. Experimentação do brincar, ou o brincar é uma experiência?  O  brincar  não  está  pronto, posto, acabado. Brincar é “vereda”, “travessia” (lembrando Grande  sertão:  veredas  (2006)  de Guimarães Rosa), metáforas ­viva da vida que se vive e está  a  se  (re)fazer,  a  se  (re)construir  a  cada  instante. É  uma  realiz(ação)  constante. É um jogar­-se na  correnteza  pulsante  da  vida.  “viver  não  é  muito  perigoso?”  (GUIMARÃES  ROSA,  2006). De  acordo com Dawsey (2005), a palavra “experiência” tem origem indo-europeia (especificamente  o radical “per”), cujo significado denota: “tentar, aventurar­-se, correr riscos. Experiência e perigo  vêm  da mesma  raiz”.  (DAWSEY,  2005,  p.  163).  Com isso em vista, acredito que é possível  pensar na experiência do brincar como uma aventura, uma experimentação da vida, ou melhor, um modo de conhecimento da realidade através do corpo que brinca, isto é, como a experiência do brincar aciona todos os sentidos da percepção humana. É um conhecer através do corpo. É o  corpo que brinca, conhece. Afinal, o que é brincar? Há uma forma única de brincar?  Brincar não  é muito perigoso? Pelo o menos do ponto de vista das crianças do documentário, não. Ali, vi pés  que correm na areia, nos asfalto, no mangue, no barro. Vi mãos que mexem e remexem na terra.  São texturas, tamanhos, pesos e alturas sentidos. Vi olhos e ouvidos que aprendem a se colocar  atentos diante da paisagem local; paladares que se arriscam na caça, feitura e experimentação  da  merenda.  Sons,  cores,  horizontes  e  gostos  sentidos,  ou  nos  sentidos.  É  como  o  corpo  experimenta o brincar. É o corpo na brincadeira. Ao ter quaisquer objetos e lugares nas mãos,  as  crianças  abrem  novas  possibilidades de construção do brincar. Pedaços  de  madeira  transformam-­se em teto de casa para a brincadeira; tornam-­se uma grelha para assar o peixe  que há pouco foi tirado do rio; o recorte de pedaços de chinelos velhos viram rodas de carrinhos;  O menino faz uma roldana automática utilizando o corrimão da escada de sua casa; a menina  toma o barro e com uma fôrma dá forma a um bolo. Meus olhos viram alegria, espontaneidade,  criatividade  nos  olhos  das  crianças. Reflexos. Lembrei­-me  de  ser  criança, ou  de  que  preciso (re)aprender a ser criança, ou que tenho muito a aprender com as crianças, enfim, como já dizia  Manoel de Barros: “quando eu crescer vou virar criança” também. 

Referências:
 DAWSEY,  John  C.  Victor  Turner  e  antropologia  da  experiência.  Disponível  em: 
  <http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/50264>
LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998. GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2006.
*** Este texto versa sobre minhas primeiras impressões ao assistir o documentário Território do 
brincar:um encontro com a  criança brasileira (2015). 
Agradeço também a  conversa após a exibição do longa-metragem com  aos  colegas Mário  Luis, Ana Maria, Fabiana Nascimento e profa. Cristina Silva que me  instigou a escrever esse pequeno texto e que certamente compõe estas letras em linhas.

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