"O Terror da Guerra (The Terror of War)" de Nick Ut, 1972, Associated Press. |
Temos, de modo bastante
escalante, coexistido sem pausas com a determinação das imagens. Por meio ora
publicitários ora como modo de compartilhamento de si, desde a invenção da
câmera fotográfica em todo seu aparato complexo primeiro, até as câmeras
instantâneas e as câmeras sempre acopladas em nossos telefones celulares, a
modelação do olhar pela imagem fotográfica impera. Vemos uma bela paisagem,
imaginamos de pronto uma fotografia, uma experiência em miniatura que em seu
modo próprio transforma a realidade. Mas de que modo a existência dessas fotos
e o nosso olhar perante elas reapercebe nossa realidade?
Susan Sontag, escritora
estadunidense que estendeu sua influência nos campos da filosofia, das artes,
do cinema, da política, foi uma figura intelectual marcante no fim do século
passado. Com suas obras em geral concisas, escritas como ensaios, Sontag
discorreu impassivelmente sobre assuntos de diversos valores sociais – desde a
estética de ornamentos “brega” e “de baixa qualidade” sob a sensibilidade “Camp”, até sobre as consequências na
percepção frente a documentação de conflitos humanos, em meio suas feridas e
dores. Em sua segunda publicação movida por perguntas sobre os fluxos
intencionais ou não das imagens fotográficas após “Sobre a Fotografia” de 1977,
Susan Sontag delimita no livro publicado em 2003, “Diante da dor dos outros”, o
corpo das imagens que relatam a dor do homem, em especial as imagens de guerra,
texto este com o qual dialogaremos aqui.
Diante da imagem, construir
uma moral, uma realidade ética: tentar ver como os outros vêem, não de maneira
relativista, mas direcionada: qual o sentido da dor, das feridas que os outros
“capturados” pelas imagens carregam? O que motiva, cria os sentimentos? Sontag
parte dessas perguntas, das quais o contexto histórico embutido também se deve
fazer relacionar nessa pretensa leitura empática onde somos convocados para
olhar essas imagens documentais retratando o sofrimento alheio – como uma
atividade, responderíamos se sentimos as mesmas reações, emoções nessa relação
feita do olhar.
O horror vívido das imagens
de guerra nos afetaria como consequência direta para a rejeição da mesma? Ao
sermos implicados na situação retratada de sofrimento humano ao vê-la por meio
da fotografia, não estamos diretamente implicados em laços de solidariedade? Não
exatamente, segundo Sontag, pois o que situa o sentido da imagem não é a
própria imagem, mas as palavras que criam sua silhueta, seus contextos
históricos e políticos na eternidade do olhar no momento presente de quem a
experiencia. Dessa maneira, a documentação desses conflitos de guerra não ressoariam
assim tão objetivamente como o pretendido, mas sim implicaria a falsificação, a
“limpeza” da relação de vivência desses momentos repartidos. Em Sontag, por
meio do consumo das mídias embebidas de imagens documentais sobre a dor dos
outros, tornamos nossas realidades intoleráveis em ficções sustentáveis, quase
claras. Sontag menciona em seu texto como, em particular, em caso de
experienciarmos situações extremas, geralmente comentamos que as mesmas
“parecem um filme”. Ou seja, não enfrentamos, sentimos a realidade das imagens
em feridas explícitas, mas as capturamos, as consumimos e trocamos a realidade
pela imagem construída.
O aumento contínuo de horror
expresso pelas imagens sobre a dor dos outros não somente nos choca, mas também
nos insensibiliza para a realidade de fato vivida pelos seres presentes na
fotografia. As imagens das feridas humanas se tornam parte da busca de
conhecimento sobre os conflitos, de controle, familiarizando o espectador com a
distância que tal experiência congelada e palpável retêm. Tais imagens buscam
atrair atenção de um modo publicitário, ou seja, se comunicam diretamente ou
implicitamente com fluxos de consumo. Imagens de guerra enquanto a “captura da
realidade mundial” buscam dentre os limites fronteiriços de cada conflito
manejar uma experiência universal do sofrimento sob os níveis de reprodução da
informação humana. Logo, por essa “captura” de imagens, as imagens fotográficas
em si carregam um desejo humano de conhecer esse limiar da existência: corpo e
dor, vida e morte. Diante da dor dos outros, tentamos capturar nas imagens os
limites de nossa morte e então esquecê-los.
Lara, o seu texto me fez pensar em como as reflexões de Sontag estão atuais para pensar a nossa situação. Temos visto tantas imagens das perdas familiares nesse contexto de pandemia. Diante da impossibilidade de viver os rituais de dor e luto, as fotos dos "santinhos" são disponibilizadas online, o facebook e o instagram estão sendo o local de manifestação da dor e da perda, a dor está diante de nossos olhos e cada dia, assustadoramente, próxima.
ResponderExcluir"qual o sentido da dor, das feridas que os outros “capturados” pelas imagens carregam?"
Como estamos olhando e vivendo a nossa dor?
Nosso olhar está sensível as dores dos outros?
Este comentário foi removido pelo autor.
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