domingo, 7 de abril de 2013


II Mostra Cinematográfica Alteridades e Práticas Urbanas
Sessão: Discursos e Práticas Urbanas.


A Invenção da Mentira
(EUA, 2009, Dir. Ricky Gervais/ Matthew Robinson)


                    
A ficção é uma necessidade cotidiana. Cada um para existir, conta uma história.                                                                                                                                         Michel Maffesoli[1].

Pensar em um breve comentário acerca das minhas impressões sobre o filme A Invenção da mentira (2009) é antes de tudo pensar no momento o qual estamos vivendo: uma semana de abertura de um semestre letivo, período de continuidade para os estudantes que já trilham a formação em cientista social e ingresso dos novos alunos, agora colegas de curso. Acredito que em nosso ofício, o de cientistas sociais, o que intentamos é a compreensão da vida social em sua complexidade. Nessa perspectiva, falar um pouco sobre o que a narrativa fílmica me instiga a pensar, destaco o que diz respeito ao que me aparece como ficções da vida social. Aqui, penso o termo ficção não como uma noção de mentira, palavra que o próprio título do filme trás, nem como o falso, mas resgato o seu significado etimológico: ficção, do latim fictione, declinação de fictio, de fingire, que pode significar fingir ou ainda inventar, termo que julgo mais adequado. Dessa forma, como nos sugere Souza Filho (2010) o mundo a nossa volta é uma construção social, humana, histórica e cultural. Tal assertiva pode- nos parecer banal a princípio, no entanto, a forma como a realidade aparece para nós nem sempre é como um constructo. Ainda nas palavras de Souza Filho (2010) em geral, pela forma mesma pela qual, nós, representamos a realidade (...) ela parece para nós como um dado, como algo que existe por si, como alguma coisa que existiria como extensões de leis da natureza ou por desígnios divinos, e não como algo que resulta da atividade humana, que resulta das próprias ações humanas. Nessa perspectiva, ocorre o descarte dos discursos que buscam naturalizar diversos aspectos vida social os tornando imutáveis, estáticos e intransponíveis. Abre-se, portanto, o “mundo das possibilidades”, como nos aponta a narrativa do personagem Mark Bellison (Richy Gervais) quando diz: “descobri que posso ter a vida do jeito que quero”. Ainda sobre as formas de perceber o mundo, nos aponta Silva (2009) a criação da cultura e da sociedade revelam que o ser humano é a única espécie que necessita criar o seu espaço de atuação e nesse processo torna possível sua própria existência. Consoante a isso, Maffesoli (1996) também nos diz: Aliás, nunca é demasiado enfatizar de que cada sociedade, ou, mais exatamente cada conjunto civilizacional tem necessidade de contar uma história que lhe permite ser o que é. Na narrativa fílmica, percebemos que há uma crítica às instituições religiosas. Embora bem humorada, mas com sarcasmo, os autores questionam a legitimidade da cosmologia judaico-cristã que exerce grande influência na cultura ocidental. Inferimos, portanto, que a mentira inventada da qual o filme fala é justamente tal concepção de mundo materializada nos dogmas das religiões cristãs. Enquanto cientistas sociais, penso que buscarmos respostas para a existência ou não de Deus é um investimento infrutífero, antes, num olhar mais atento, percebamos que diferentes coletivos humanos no decorrer do tempo têm maneiras diferentes de se relacionar com o sagrado, com algo que transcende a experiência humana, atribuindo a ele explicações para os fenômenos da natureza assim como respostas às questões existenciais acerca da condição humana. Atentar ao processo como essa relação é construída, aos valores e significados a ela atribuídos e de como isso repercute na fabricação da realidade social, criando visões de mundos que se conflitam o tempo todo numa luta para quem se estabelece como “a verdade, pode ser um terreno de análise muito mais fértil.

* Bruno Duarte
Rastros Urbanos



REFERÊNCIAS
MAFFESOLI, Michel. No Fundo das Aparências. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
SOUZA FILHO, Alípio. Por uma teoria construcionista. Natal,  Café filosófico, 2010. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=diEKIH9W7QE> Acesso em 31 mar 2013.
SILVA, Cristina Maria da. Rastros das socialidades: Conversações com João Gilberto Noll e Luiz Ruffato. (Doutorado em Ciências Sociais) Programa de Pós – Graduação em Ciências Sociais. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009



[1] MAFFESOLI, Michel. No Fundo das Aparências. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

* Texto escrito por ocasião da II Mostra Cinematográfica Alteridades e Práticas Urbanas, durante as sessões organizadas pelo grupo Rastros Urbanos. O evento fez parte da programação de abertura do semestre letivo 2013.1 do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará - UFC.

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